Traduzir-se (CBS, 1981) é um dos melhores trabalhos de Raimundo Fagner.
Em 2016, quis o grande arquiteto levar um dos meus mais favoritos, aquele que é o pai do poema que virou canção e título desse album. Faz muita falta aquele que, generosamente, escreveu "Poema Sujo", "Nasce um poeta", "Homem Comum", e o livro que mora aqui, em casa, com todo cuidado do mundo, o "Bananas Podres" , que amo tanto.
Em 2019, Raimundo resolveu não esperar o chamado. Pegou uma corda, abraçou Bolsonaro e matou-se, enforcado com a própria língua.
Por muito pouco eu não espatifei esse disco na parede. Ainda bem que não 😄
Traduzir-se (Ferreira Gullar)
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
Pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
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