domingo, 29 de março de 2020

nuvem passageira

Nuvens alaranjadas
sempre passam
diante das nossas retinas.

Mas,
nem por isso são,
necessariamente, 
tão somente engarrafamento rabecão
na porta do Campo Santo.

Outras pulsões
de maneira sorrateira
aproveitam pra rasgarem 
a azulada abóbada

Para tanto e para tudo
até mesmo o mais nobre dos intentos
se faz necessário 
o silêncio
o cinismo
a malícia 

Copo cheio
copo vazio

Matita Terê dançando com Ramalho

Bem ali, na curva, bem ali onde o velho silêncio caminha sem pressa, sem pressa de sair de cena, que eu tenho meus pés com afinco.

Como uma frondosa jaqueira, daquelas com a copa cintilante de idéias, fico aqui, encarregado de esperar a noite ir dormir.

Com ardor, todo santo dia a ventada do mar tenta, em vão, me convencer que isso não é cousa que deva gastar pestanas. Sopra então, seu hálito macilento, com perfume de anis de sargaço, lembrando que bem perto existeque lençóis de cetim e  corpo mais que carinhoso.

Mesmo assim, nessa hora derradeira, coloco  aquele capote cansado. Não esqueço de costurar , nessa forragem carcomida pelos avessos de outrora, essa trama estranha, esse linho de sussurro de "Crônica de uma Casa Assassinada" + " Rancho das Nuvens". 

Como sou peri_gozo, pinto esse casaco disforme com a paleta sensual que preguiçosamente rabisca, passo a passo, minuto a minuto, todas  as nuvens ao meu redor. Enraivecido, louco de ciúmes, o mar, em conluio com a noite, tenta, através do tempo, gestos desesperados contra a minha pessoa:

alarmes tocando, 
Google Calendar piscando, 
"volta pra cama amor", 
boletos vencendo hoje,
(etc)

Nada adianta para quem tem fome pela chegança, pelo grito e soluços do bebê, pelo raiar das possiblidades de tentar refazer, sobre tudo e sobre todos, de novo e de novo.

E assim, na ingratidão com os mortíferos de plantão, nessa dança contida de auto sublevação, sigo, entre uma linha de código e outra, entre um conselho e outro do Luciano Ramalho,  caminhando tenaz diante de todos os precipícios.


O dia vai brilhar e mais um condenado da terra foi arrebatado pela vida. 

Vai logo, vai com pressa e compra um barco, uma marreta de 20 kg e boa quantidade de brita e de cimento. 

Enxuga o suor, toma um banho do Belo que no fim do fim do mundo, na ponta dessa sua ilha do afogado, você vai encontrar as condições perfeitas para construir uma ponte até aquela outra ilha, aquela ali que é tão ou mais íngreme quanto a sua. 

Foda-se ! Seje Arquipélagos.

quinta-feira, 26 de março de 2020

No horizonte, mil Clarices.

É incrível como a dinâmica da vida é insuperável e o quanto que as crises são uma oportunidade de mudança.

Os vírus, que na Biologia não são nem tratados como seres vivos  (são na verdade parasitas intracelulares obrigatórios) , serão as molas propulsoras de uma gigantesca mudança cultural na forma de trabalhar em todos os ramos da economia global.

Nunca pensei que veria tanta gente e em tão pouco tempo dominando, com grande desenvoltura,  o teletrabalho, o uso massivo de videocom, de organizadores de tarefas, etc. Estamos, em tempo real , remotamente mas, em rede, vivendo uma grande revolução.

Tenho visto isso tanto na empresa que trabalho como em outras áreas da economia. O que temos que ter um pouco de atenção, em relação a todas essas mudanças, é em torno da velocidade. Processos acelerados demais vão,  em última instância, gerar um sofrimento excessivo em uma sociedade tão ansiosa como a nossa.

Porém,  acho que ao menos temos a chance, que não estava no nosso horizonte, de pontos de inflexão positivos. 

Tudo vai depender para onde a humanidade vai querer caminhar. Inimaginável ver um amplo programa de renda mínima ser implementado nos EUA pelo Partido Republicano... Surreal ver Macron defender o sistema público de saúde depois de massacrar os profissionais em uma greve que aconteceu ano passado. 

O mundo é realmente uma bola, em eterno movimento e, de tempos em tempos, esse movimento pode trazer um horizonte de um novo rearranjo.


Por fim, nesses tempos que estou a ler a maravilhosa biografia sobre a Clarice Lispector (Clarice, Companhia das Letras) segue uma frase da nossa grande escritora que achei bem pertinente para esse momento.

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento !!"

quarta-feira, 25 de março de 2020

Minas, 1975

"Hoje não passa de um dia perdido no tempo...".

Miltão em Beijo Partido, no antológico álbum Minas cantarolando sem parar aqui no pé dos meus ouvidos, meus laptops rodando e minha xícara de café. 

É isso. 

Chuva danada lá fora, uma pandemia global que assusta toda a humanidade, tudo muito escuro e  aqui, no meu quintal, um orixá vai sussurrando  em mim (vocês já ouviram Milton Nascimento em Ponta de Areia, nesse disco?) alguma coisa inexplicável, como um doce abraço de alguém desconhecido  mas, e ao mesmo tempo, um gesto, um abraço sincero de pai e mãe.


Ainda não compreendi muito bem o que tem levado as pessoas a toda essa reticência em achar chato essa quarentena por causa do COVID - 19

Entenderia isso advindo das classes com maior grau de precarização socioeconômica, pela obviedade da possibilidade da perda dos exíguos "empregos" ou outras formas modernas de sub sobrevivência dos atuais condenados da terra

Porém,  ver esse desespero da classe média e classe média alta, que são aqueles que tenho contato, demonstra o grau de escárnio que essas pessoas tem diante de si quando olham no espelho da sua depauperada (in)existência

Sempre, desde que vou puxando da memória mais longínqua, lá longe longe, na adolescência consciente (1998 em diante), lembro de ficar assim das 02:00 da manhã em diante, ouvindo sem parar os CD dos meus pais que ficavam na sala. 

Não deixaram castelos, casa de praia, barras de ouro mas, vinis e cds do melhor da MPB.

Lembro que nessa época, cada movimento do meu corpo era extremamente bem calculado, os milímetros eram vencidos passo a passo, pisando macio no freio para não acordar ninguém.

Obviamente que meu utensílio obrigatório, dia após dia, era aquele fone de ouvido imenso, com a fiação espiralada até o conector P10 e todo esculhambado, com a conexão toda remedada é que toda hora eu tinha que apertar com fita isolante para não perder um dos lados da saída de áudio. 

Era um amanhecer beijando e deglutindo bem devagarinho a régua e compasso de Raul Seixas e, principalmente Caetano Veloso. Chico, Gil, Roberto Carlos, Jards, Milton, Tom Zé, Jobim, Queen of the Stone Age, Bethânia apareçam bem bem depois.

Esses dois foram os Vice Reis da minha caixola por muito tempo. 

Também, além dos Cds, tinham as fitas que meus amigos Tasso e, notadamente Marcelo, lá do inesquecível  CEFET - BA, trocavam comigo. 

Foi assim que fui conhecendo e povoando meu ser com gente como Rush, Nirvana, Pink Floyd e Rage Against the Machine. 

Vagando mais ainda, foi ali, nesse ponto da minha história que, ali, alone alone, naquela especial loja da Aky Discos, nessas andanças a pé que sempre gostei de fazer por Salvador, na inóspita (para pedestre andarilho) Avenida Juracy Magalhães, quase na entradinha do Horto Florestal/Embasa, que o acaso e a beleza da arte da capa, me fez levar OK Computer, do Radiohead pra casa.

O finalzinho da madrugada sempre foi pra mim um bálsamo e uma tenra mentira pois, tinha que dia após dia voltar 20 minutos antes, até minha cama, no quarto que dividia com minha avó, para que minha mãe não soubesse que eu, assim como ela e minha avó, tinha uma baita insônia, mesmo que essa fosse positiva.

Espero que todos possam experimentar essa possiblidade de refazimento, de reflexão e amor a si.

Ps: Minha avó ficava sabia de tudo mas ficava calada, só saboreando saber que seus genes estavam ali presentes.

terça-feira, 24 de março de 2020

Separação inseparável

Enquanto termino as minhas preces a Ogun,
em mais uma terça feira qualquer
observo o ventinho bom,
que vem do alto mar bem no meio da madrugada.

Vejo também, 
no cume calmo do meu recinto
Esse delicioso joguete infinito
da madrugada em teimar em não ir dormir
enquanto que a leste é bem devagarinho, 
vem esqueirando-se um novo dia
por demais alaranjado.

Ahh, apesar de toda essa beleza
penso reiteradas vezes 
que esse oleoso pano alaranjado
vai roubar de mim 
um Federal Reserve de preciosidades.

Esse ventinho das 05 da manhã

O barrulho da moto,
Do entregador do jornal 
que não eh meu

As gatas cantarolando 
no seu cio madrugal
E todos os outros ciosos cios
vividos aqui e acolá
Só soul eu pq
vocês me quiseram um dia

Istopô
Moqueca
Coragem pra resistir
Um Banho de Mar às 06:00 da manhã
O belo nos pequenos detalhes

Vão se foder seus filhos da puta
Fascistas do caralho
Entreguistas.

Eu vou mas,
vôo vai ter. 

Levo tudo isso comigo.
Se fuderam

sábado, 21 de março de 2020

Eu tô pegando leve


Faz mais de ano, cinco anos, que intui que teria que começar uma vida nova, em um novo lugar desse país, se quisesse manter o meu atual emprego.

Desde Dilma a coisa tem ficado feia contudo, a cristandade é uma merda. A gente fica sempre esperando que no fim da curva a carroça vai conseguir fazer o contorno direitinho. Hahahah, somos esperançosos demais. 

A carroça sempre vai capotar no final !!!

Mudanças são sempre uma situação boa, uma degustação por demais aprazível se é algo desejado. Porém, não foi o caso. 

Estou indo, caminhando sob soluços, com a sensação de que deixo muita coisa para trás, que em cada esquina da Cidade da Bahia pedaços de grande parte do que sou até aqui ficam.

Mas, como o pragmatismo toma conta de todos os fios do meu cabelo, estou, devagarinho, construindo um história, aliás, uma estória, daquelas que se arrogam generosa, na minha cabeça. 

Decidi, se isso é possível quando a gente tem tão somente 15 dias para a despedida de 37 anos, uma narrativa tanto de lembrança de Salvador como também de descoberta de uma nova cidade. 

Fundamentalmente, saborear um viver novo, construindo um olhar pra outros cantos da vida nessa cidade chamada em Macaé, meu novo lar.

Quem sabe eu consiga encontrar um outro eu, um eu que ainda não fui, nesta cidade? 

Nunca tive vocação pra ser uma estátua mas, quem sabe, quem sabe mesmo isso não é algo nesse sentido, a natural reconstrução cotidiana, mesmo que desconfortável, de quem quer viver para além dos encargos da penosa sobrevivência do cidadão brasileiro?

Bem, só quem sabe a resposta são meus guias, meus ancestrais, meus orixás. E neles eu confio. E, como disse um grande amigo:

se jogue e tente não ficar remoendo tudo isso que você tá vivendo.

É alienante mas, feliz_infelizmente, é de extrema serventia tentar ir além, seguindo essa forma de pensar. 

E, nesse desafio de não temer a despedida, vou seguir fielmente o trecho da bela canção do O Terno, Pegando Leve:

Quero descansar, mas também quero sair
Quero trabalhar, mas quero me divertir
Quero me cobrar, mas saber não me ouvir
Quero começar, mas quero chegar no fim


Quem sou eu

Bom, eu sou acadêmico do curso de Engenharia Elétrica da Unifacs e tenho grande interesse na área de Processamento Digital de Sinais (PDS), sobretudo no estudo de sistemas não determinísticos e no processo de produção de música com o auxílio do computador.